domingo, 26 de junho de 2016

O Primeiro Grande Saque Amazônico (IV)


Por Armando Soares


                Domínio da Extração do Látex e Produção da Borracha por Estrangeiros

O cenário de produção, comercialização e consumo da borracha nativa amazônica já seria o suficiente para qualquer pessoa inteligente perceber que ingleses, holandeses, franceses e americanos, principalmente os ingleses nessa primeira fase da exploração da borracha amazônica, detinham o total domínio da atividade econômica da borracha amazônica, e que o passo seguinte seria inevitável – a transferência da seringueira para as colônias inglesas, francesas e holandesas no sudeste asiático, projeto que vinha sendo desenvolvido desde que a borracha se transformou em matéria-prima indispensável para viabilizar a criação do automóvel, do avião, permitindo assim, uma “revolução” no sistema de transporte no mundo, uma troca do cavalo pelo automóvel, um “pulo” enorme da civilização ocidental, menos para o desenvolvimento da Amazônia, devido à troca da borracha pelo café para atender as elites políticas e econômicas do sudeste brasileiro e os interesses estrangeiros.

                Trabalho Livre na Produção da Borracha, mas Dominado por Estrangeiros

É interessante deixar registrado as afirmações de um gerente de uma propriedade inglesa produtora de borracha que faliu no Pará, citado no livro de Barbara Weinstein, que confirma a verdade relatada por Mario Barroso Ramos, quando afirma convicto que “não houve, como não há, forma de trabalho mais livre e mais propiciatório de fácil independência econômica do que o regime em voga na exploração e no preparo da borracha. O seringueiro nunca foi um trabalhador a jornal, um operário ou um assalariado...”. Afirmava o gerente da firma inglesa: “Nas regiões de borracha do Brasil, o produto não pertence ao dono da propriedade. Pertence ao coletor – o seringueiro – que a vende ao dono, por dinheiro ou em troca de mercadorias, a um preço um pouco inferior ao preço do mercado do centro mais próximo, Pará ou Manaus. Se o seringueiro vai a um armazém do seringal e não encontra ali o que deseja, sente-se muito à vontade para vender sua borracha a estranhos, e dificilmente poderá ser impedido de fazê-lo”. Essa é a verdade histórica que foi adulterada para encobrir crimes praticados por maus brasileiros e estrangeiros e para justificar nos dias de hoje a criação de reservas ambientais amazônicas improdutivas. O seringueiro só se transformou em “escravo” durante o monopólio estatal, antes era um produtor livre, mas infelizmente sacrificado pela traição e incompetência brasileira.

                Estimativa da População de Seringueiras Nativas

Informação importante extraída do Relatório ao Ministro da Agricultura, Indústria e Comércio – Superintendência da Defesa da Borracha, intitulado “A Borracha no Brasil”, elaborado por O. Labroy, com a colaboração de V. Cayla, em 1913. “Parece agora fora de dúvida que o número de seringueiras silvestres que o Brasil possui em idade de serem exploradas é nunca inferior a 300 milhões, ou 50% maior do que foi calculado pelo engenheiro Paul Lecointe, citado pelo Dr. Labroy.” “Deste número colossal de árvores a proporção explorada não excede ainda a 6%.” Essa é uma afirmação bombástica, pois considerando como verdadeiro é outro elemento para considerar como causa, combinada com outras, de um processo maquiavélico de promover a falência da atividade econômica da borracha amazônica em sua primeira fase. 300 milhões de árvores equivalem a 2 milhões de “estradas” de seringueiras, o que comportaria um segmento seringueiro da ordem de 666.666 seringueiros, ou 2.666.666 pessoas (4 membros na família por seringueiro). Se 300 milhões de seringueiras estivessem em produção na Amazônia, mesmo no modelo extrativista, seria muito difícil à decolagem do plantio realizado por ingleses no Sudeste Asiático no prazo em que foi realizado, pois o preço da borracha amazônica nesse cenário seria um sério obstáculo para o retorno dos investimentos. Esse é outro “buraco negro” desconhecido no processo histórico amazônico, agora impossível de comprovação, pois, na realidade não se conhece trabalho realizado pelo governo sobre a população de seringueiras nativas realizado em séculos pela natureza.

                Estimativa de Plantio de Seringueiras em Colônias Inglesas

Em 1913, informa o Relatório de Labroy, que a superfície das plantações asiáticas da Hevea brasiliensis era avaliada em mais de 300.000 hectares espalhadas por Malacca, Estados Malaios, Ceylão, Java, Sumatra, Borneo, Burma e Conchichina, o que corresponde a 150 milhões de seringueiras (500 plantas/ha). Note que a seringueira deu vida e desenvolvimento a oito colônias inglesas, holandesas e francesas, tal o poder dessa célula econômica trocada por café pelo governo e elites. Note, também, não se planta do dia para noite 300.000 hectares, o que significa dizer que o projeto de transferência da seringueira para o Sudeste Asiático deve ter consumido pelo menos 30 anos, o que significa voltarmos ao ano de 1880 ou até antes, se considerado a coleta realizada por supostos cientistas e pesquisadores. O projeto de engenharia da “Revolução” do sistema de transporte realizado com o automóvel e o avião foram abrangentes, pois representaria a montagem de poderosos centros industriais os quais não poderiam ser consolidados sem o domínio da atividade econômica da borracha. Portanto, é muito ingenuidade e burrice acreditar que um inglês vagabundo tenha sido o herói que sorrateiramente tivesse “roubado” sementes de seringueiras paraenses, toneladas em um navio, que ficou parado pacificamente na “escadinha”, em frente à rua mais movimentada de Belém na época.

Organização e Traçado das “estradas

Os seringais eram geralmente estabelecidos nas proximidades de um ponto navegável e em localidade onde havia densidade de seringueiras para garantir uma boa renda da produção. Cada seringal representava um número variável de 40 ou mais “estradas” ou atalhos, abertos na floresta, por meio de facão para ligar entre si as árvores correspondentes ao trabalho diário de um seringueiro. Contava-se de 80 a 170 seringueiras, por “estrada”, segundo a distância das árvores, de maneira que o percurso não exceda de 4 a 5 quilômetros, conforme a idade das seringueiras e o seu valor produtivo, produtividade. A abertura da “estrada” ou “picada” era confiada a um “mateiro” que tinha grande experiência da floresta e da árvore seringueira. Esse “mateiro”, habituado a distinguir à distância das seringueiras, determinava rapidamente um percurso fechado, de traçado irregular, donde se afastam os ramos ou “mangas”, dando acesso a um ou mais exemplares situados fora do caminho principal. Na entrada ou na “boca da estrada”, o seringueiro construía uma cabana muito primitiva, em condições de salubridade e de higiene deploráveis. Era um simples abrigo, coberto de folhas de diversas palmeiras (Paxiúba ou Ubussú), preservando muito mal os seringueiros das intempéries e da excessiva humidade do clima. Esta cabana rústica era sempre acompanhada de outro abrigo que servia para defumar a borracha. Cada grupo de “estradas” tinha o seu depósito ligado com um seringueiro que chegara primeiro à região e já possuía um maior patrimônio e renda, o que sempre foi classificado por ignorantes como “patrão do seringueiro”, que como já explicado não era empregado de ninguém, e sim patrão de si mesmo. Exploração da “estrada” – Depois de traçado a “estrada” e limpado o acesso à seringueira, o seringueiro começa o trabalho de produção do látex. O seus utensílios eram: uma machadinha leve (pesando de 125 a 150 gramas), com lâmina de 25 milímetros e cabo de 40 a 60 cm; um terçado ou sabre de cortar árvores, alguns frascos ou recipientes de 2 litros, provenientes, às vezes, de latas de conservas; uma vasilha ou balde de ferro esmaltado, com capacidade de 6 a 10 litros; 500 a 600 tigelinhas de folha de Flandres, de forma tronco-cônica com um lado meio achatado, para facilitar a aplicação à seringueira; algumas cuias para tirar o látex; uma bacia de ferro esmaltado de 90 cm de diâmetro, que servia para a defumação e, finalmente, um “boião” ou chaminé de terracota ou folha, não raro improvisada com uma lata vazia de querosene, para a coagulação e defumação do látex sobre a fôrma de madeira chamada “tanibóca”. Esse material completava-se com um rifle, que o seringueiro conduzia todas as manhãs, bem como a machadinha, o balde para o látex e o saco das tigelinhas. O trabalho do seringueiro começava de madrugada, e a razão não era de ordem romântica irresponsável como descrito por Euclides da Cunha e outros historiadores, a razão era de ordem lógica e técnica, ou seja, quanto mais cedo se cortava a seringueira havia menos pressão atmosférica, o que favorecia a descida do látex. A produção da borracha tinha de 6 a 7 meses e parava no período chuvoso (fevereiro, março e abril). Hoje se pode produzir praticamente o ano todo com o advento da coagulação realizada na caneca, em 3 minutos. Alguns seringais adotam parar a produção de quando da troca de folhas da seringueira, coisa de 1 a 2 meses.




Examinemos o que descrevem alguns historiadores sobre a primeira fase da produção de borracha que se encerra em 1912/13.

                Warrem Dean, (A Luta pela Borracha no Brasil) considerado por muitas pessoas como o melhor livro escrito sobre a questão da borracha amazônica. O livro peca desde a sua apresentação por Aziz Ab’Sáber, geógrafo falecido, professor da USP, assessor de Lula, que deveria se cingir a transmitir seus conhecimentos em assuntos que dominava, não na questão amazônica, que não conhecia. Sua afirmação “O Brasil se beneficiou com a introdução do café, mas sofreu uma grande derrota como produtor de borracha, graças ao sucesso da introdução de sementes e mudas de Hevea, pelos ingleses, na Ásia de Sudeste” é própria de pessoas com total desconhecimento da realidade econômica brasileira, como também de entendimento equivocado sobre o beneficio do café e a derrota do produtor de borracha do Brasil. Lamentavelmente seus conhecimentos sobre a realidade da atividade econômica da borracha deixam muito a desejar, sendo prejudicial ao ensino da história econômica amazônica e consequentemente, brasileira. O livro de Dean tem trechos interessantes que favorecem a nossa tese de que a transferência da seringueira para o Sudeste Asiático não se deu por acidente, mas em razão de um projeto muito bem arquitetado aproveitando-se da ignorância e falta de visão de nossos governantes e empresários. Para confirmar essa tese, Dean, na introdução do seu livro, escreve: “Por volta do século XIX, à transferência de plantas exóticas e a busca de plantas selvagens passíveis de domesticação eram atividades que se tornaram racionalizadas, organizadas e postas a serviço do capitalismo industrial. A Europa mandava coletores aos mais distantes rincões da Terra à procura de espécies desconhecidas que pudessem servir como matéria-prima, remédio ou ornamento”. E, enfatiza: “De todos os grandes feitos daquela época de descobertas botânicas, nenhum foi mais grandioso do que a domesticação de borracha”, (ele quis dizer seringueira). Essas afirmações de Dean são provas mais que contundentes de que a visita de Condamine e de outros cientistas e pesquisadores ingleses, franceses, holandeses e de outras raças à Amazônia, não era para estudos científicos da vida de insetos, mas ações de pirataria visando o saque da biodiversidade amazônica que viria a acontecer posteriormente com a seringueira, o mais rico produto dessa biodiversidade. Dean reconhece, e isso é importante para o conhecimento da sociedade amazônica, que “o comércio da borracha tornou-se um sustentáculo da economia brasileira: em seu auge, proporcionou quase 40% das receitas de exportação, quase igualando ao café em importância”. Essa referência de Dean, extraída da bibliografia e documentos americanos, onde está a maior parte da memória desse período, dá uma ideia aos paraenses da enorme contribuição da Amazônia para a realização dos investimentos da infraestrutura do sudeste brasileiro, uma transferência de renda sem nenhum retorno. Mostra, também, que de acordo com o Relatório de Labroy enviado ao Ministério da Agricultura da época, toda essa receita era resultante da exploração de apenas 6% da população de seringueiras nativas. Também essa informação de transferência de tão extraordinária renda para o governo era a prova da potência econômica da seringueira, que proporcionalmente, tendo o café todo o apoio, incentivo e assistência do governo, a borracha era um negócio muito melhor do que o café, razão porque ingleses, europeus e americanos nunca entenderam o porquê da preferencia pelo café.

                Dean explica que o estudo que realizou da seringueira e de seu cultivo num contexto global, se concentra na Amazônia brasileira. Segundo seu entendimento o objetivo é responder às perguntas que os brasileiros têm feito por que o Brasil perdeu o monopólio da borracha; por que os brasileiros não investiram no cultivo da seringueira e, finalmente por que a seringueira cultivada não crescia. Dean termina o livro com afirmações temerárias e irresponsáveis para um escritor bem reputado no Ocidente. São suas essas afirmações e palavras: “Assim um fungo mudou o curso da história de uma nação. Evidentemente não é verdade – nem é esta a tese do presente trabalho – que foi o fungo que impediu o cultivo da seringueira. Ao contrário, foi à ignorância humana em descobrir um meio de prevenir ou atenuar os ataques do fungo que tornou a heveicultura antieconômica. Além do mais, como agora deve estar clara, essa tese não é original do autor. Qualquer especialista em seringueira e todo aquele que tenha tentado cultivá-la sabe que o Microcyclus sempre constituiu o fator limitante da heveicultura nos trópicos do Novo Mundo.” Em seguida Dean escreve: “Seria desinteresse ou falta de iniciativa dos habitantes da região? Seria falta de visão dos governantes? Seria o caboclo amazonense inferior ao negro africano, ao nativo da Malásia ou mesmo ao mestiço nordestino que implantou a lavoura cacaueira na Bahia, trazendo sementes da própria Amazônia? Seria a situação econômica da região diferente, se nosso país fosse colônia de gringo, como eram a Malásia e a África, quando da implantação da heveicultura e da cacauicultura naquelas regiões?”. Dean responde as suas indagações assim: “Em todo caso, não é possível atribuir às deficiências particulares das elites científicas, administrativas ou empresariais brasileiras o atraso na descoberta de medidas eficazes contra o virulento fungo. Em nenhum seringal das multinacionais dos pneus e em nenhum centro de pesquisa dos trópicos do Novo Mundo, nem mesmo em outra parte do mundo, foram descobertas ou aplicadas soluções mais eficazes para o problema do Microcyclus.” Mais adiante tenta salvar os amazônidas do fracasso na tentativa de cultivar a seringueira: “Está claro que alguns seringalistas tentaram plantar a seringueira, mas não tiveram êxito. De fato, Cosme Ferreira, um dos principais porta-vozes do comércio extrativo, foi um dos que tentaram e fracassaram. Se cultivar a Hevea fosse fácil, obviamente os seringalistas teriam se convertido em plantadores e, portanto, em defensores do cultivo. E, se alguns deles houvessem lucrado com a seringueira cultivada, certamente teriam se dedicado a formar um lobby político em favor da pesquisa e desenvolvimento da borracha”. Dean finaliza a conclusão com as seguintes palavras e afirmação: “Entrementes, o Microcyclus ulei, grande frustrador de esperanças e desejos humanos, continua sendo um formidável desafio para a inteligência, a paciência e a habilidade humanas”.




                Diante do que escreveu e afirmou Warren Dean fica difícil respeitá-lo. Talvez por confiar demais nos ingleses e fantasias, Dean tenha achado que todos os brasileiros são idiotas para fazê-los acreditar que não podemos cultivar a seringueira no Brasil por causa do fungo, o temível Microcyclus ulei. Teve também a coragem de afirmar que governo, multinacionais de pneus, seringalistas, cientistas e pesquisadores, todos foram vencidos pelo fungo, conclusão que serve para que o governo, a nível nacional e regional, enxergue a borracha como um investimento de risco, a ponto de relegarem a atividade econômica da borracha a um segundo plano, o que representou o Brasil ficar totalmente dependente do sudeste asiático em 75% de importação de borracha para abastecer seu parque industrial de produção de pneus e artefatos de borracha. Apenas para argumentar: se o fungo é o elemento frustrante para investir em cultivo de seringueira na Amazônia, como se explica o sucesso do cultivo da seringueira nas colônias, hoje países ricos, de ingleses, franceses e holandeses, na Índia e outros países? Milagre? Sorte? Claro que não! Os ingleses só iniciaram os investimentos em suas colônias no sudeste asiático, e foram milhões de dólares investidos, quando tiveram certeza de que a seringueira não sofreria o ataque do fungo. Seus plantios foram realizados em áreas de escape ambiental ou climático próprias para o cultivo da árvore. Também foram motivados pelo preço da borracha amazônica que eles, ingleses, ditavam no mercado como monopolistas, o que motivou Ford a plantar seringueira no Pará para se livrar do monopólio inglês e holandês. Portanto, as afirmações de Dean na conclusão de seu trabalho são todas capciosas resultantes de informações de fontes não confiáveis, por uma razão muito simples: como os ingleses, holandeses e franceses iram declarar e informar ao mundo que tinham o total domínio da questão do problema climático (escape ambiental), se esse era sua vantagem estratégica para evitar que a Amazônia, o banco genético original da seringueira se tronasse uma concorrente com vantagem? Sem a genética amazônica se torna impossível renovar populações de seringueiras cultivadas. Até hoje o pessoal do sudeste asiático veem à Amazônia colhem material genético, ou seja, até hoje estamos sendo saqueados sem nenhuma vantagem para um governo abestado ou comprado.



Armando Soares – economista





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